Na noite de terça-feira, na Filadélfia, o debate entre os presidenciáveis Kamala Harris e Donald Trump destacou-se não apenas pelos temas abordados, mas também pela maneira como os candidatos se comunicaram através da linguagem corporal e do tom de voz. Esse evento, considerado crucial para as eleições norte-americanas, foi marcado por momentos intensos e estratégias comunicativas que transcenderam o simples discurso político.
Quando o debate teve início, Kamala Harris, atual vice-presidente, fez questão de demonstrar um gesto simbólico de cordialidade. Ela atravessou o palco, contornou um púlpito e estendeu a mão em sinal de cumprimento. “Kamala Harris”, apresentou-se ao ex-presidente Donald Trump. Esse momento não foi apenas uma formalidade, mas uma declaração de intenção. A forçada situação de aperto de mão, diferente da atitude adotada em junho pelo então candidato democrata à presidência, Joe Biden, e Trump, foi um dos muitos sinais de que este debate se distanciaria do protocolo habitual.
Candidato presidencial republicano, ex-presidente dos EUA Donald Trump, e a candidata presidencial democrata, vice-presidente dos EUA Kamala Harris, participam de um debate presidencial promovido pela ABC em Filadélfia, Pensilvânia, EUA, 10 de setembro de 2024, em uma combinação de fotografias de arquivo. REUTERS/Brian Snyder
Linguagem corporal
O especialista em linguagem corporal Mark Bowden observou que o gesto de Kamala foi uma “jogada de poder”. “Acho que ele não estava esperando isso”, comentou Bowden, referindo-se à iniciativa de Harris em buscar o aperto de mão. A interação não passou despercebida e foi amplamente discutida, destacando a forma como a linguagem corporal pode servir como um poderoso meio de comunicação política.
Linguagem Corporal
Durante todo o debate, Kamala manteve um rosto expressivo e ativo. Seus gestos, como levantar as sobrancelhas, rir e demonstrar incredulidade, foram capturados e compartilhados nas redes sociais. Em vários momentos, ela olhou para Trump com uma mistura de curiosidade e desdém, não hesitando em comentar que os argumentos do republicano “não eram verdadeiros”.
Por outro lado, Donald Trump adotou uma postura mais reservada. Sua expressão permaneceu séria na maior parte do tempo, com sorrisos ocasionais que mais pareciam forçados. Embora tenha acusado Kamala de mentiras, como em um momento em que exclamou: “Lá vai ela de novo. É uma mentira”, sua abordagem foi geralmente mais controlada do que o comportamento agressivo observado em debates anteriores.
A cientista comportamental Abbie Marono observou que as abordagens dos candidatos eram marcadamente diferentes. Enquanto Kamala se voltava frequentemente para seu oponente, aparentemente em uma tentativa de confronto direto, Trump tendia a olhar para frente, evitando o contato visual com Harris. “Ele não se dirigiu a ela; não se orientou em sua direção quando estava falando”, explicou Marono. Kamala, por sua vez, demonstrou uma atitude um tanto antagônica, mas também sensível emocionalmente ao discurso de Trump.
Em um momento emblemático, Trump tentou virar a mesa contra Kamala quando ela o interrompeu para que ele aguardasse enquanto ela falava. Ele fez uma referência clara ao debate de Kamala com o então candidato a vice-presidente Mike Pence em 2020, no qual ela havia repreendido Pence por interrupções semelhantes. Essa tentativa de virar o jogo revela a complexidade das dinâmicas de poder e o papel da memória de debates passados nas estratégias atuais.
Kamala, por sua parte, manteve o foco nas propostas de políticas, reiterando suas posições sobre habitação e pequenas empresas, e pedindo que o país “virasse a página” em relação a Trump. A especialista em linguagem corporal Lillian Glass observou que Kamala parecia ter decorado suas falas, o que, para ela, conferiu à vice-presidente uma aparência de falta de autenticidade. “Ela fala em staccato”, comentou Glass, referindo-se ao estilo segmentado e ensaiado de Harris.
O estilo agressivo de Trump, por outro lado, trouxe resultados mistos em debates anteriores. Seus ataques pessoais durante as primárias republicanas de 2016 e na campanha contra Hillary Clinton o ajudaram a conquistar a presidência. No entanto, o debate de 2020 contra o então vice-presidente Biden, no qual Trump interrompeu constantemente seu oponente, resultou em uma percepção negativa que afastou muitos eleitores.
Na noite do debate, Trump tentou adotar uma abordagem mais disciplinada em relação a Kamala, limitando seus ataques pessoais e focando principalmente em criticar as políticas dela. No entanto, seu esforço para direcionar os ataques contra Biden acabou levando Kamala a ressaltar sua própria candidatura. “Você não está concorrendo contra Joe Biden, está concorrendo contra mim”, afirmou Harris, enfatizando sua posição como adversária direta.
Kamala também fez questão de provocar Trump em vários momentos. Ao abordar o tema dos comícios, uma questão sensível para o ex-presidente, ela o provocou ao sugerir que ele estava pagando pessoas para participar de seus eventos. “Ela está claramente querendo irritá-lo. Ele não consegue se controlar. É possível ver quando ela lança alguma coisa e ele simplesmente a agarra, ficando totalmente descontrolado em relação a questões ridículas”, afirmou Adrianne Shropshire, diretora-executiva do BlackPAC.
Ao final do debate, os dois candidatos, vestidos com ternos escuros e broches com a bandeira dos Estados Unidos, saíram do palco sem trocar mais cumprimentos. Esse momento final reforçou a tensão que permeou o debate, deixando claro que, além das palavras, a linguagem corporal e o tom desempenharam papéis cruciais na comunicação política da noite.
Com a eleição se aproximando, é evidente que tanto Kamala Harris quanto Donald Trump utilizarão todas as ferramentas à sua disposição – incluindo a linguagem corporal e o tom de voz – para consolidar suas campanhas e conquistar os eleitores. O debate, portanto, foi um reflexo não apenas das suas políticas, mas também de suas estratégias de comunicação e do impacto que essas têm